E se a OPA de Trump sobre a Fed traduzisse a finalidade da sua política económica: um forte crescimento nominal para reduzir a dívida?
Dos inúmeros eventos políticos e económicos vividos este ano, quase todos foram influenciados por Donald Trump. Apesar da excentricidade de algumas das suas promessas eleitorais, o omnipotente Presidente norte-americano tem vindo a cumpri-las e, levado pelo seu entusiasmo, tem estabelecido novos objetivos para o seu mandato. Neste regresso das férias de verão, tentaremos compreender as ações de Trump. Esta é apenas uma das possíveis interpretações, não antecipando de forma alguma o que o futuro nos reserva.
O ano de 2025 arrancou com o "Deepseek Day", recordando ao mundo que a inteligência artificial (IA) também pode ser desenvolvida, pelo menos em certa medida, fora dos Estados Unidos, neste caso na China. Os mercados de ações dos países desenvolvidos ficaram ofendidos, com a Nvidia a perder mais de 40% do seu valor entre janeiro e abril, antes de praticamente duplicar em quatro meses. O entusiasmo pela IA permanece intacto. Os outros temas de investimento estão a recolher as migalhas deixadas pelos investidores. Trump é alheio a esta onda que está a varrer tudo no seu caminho. Tudo menos Trump!
O "Zelensky Day", ou seja, o dia em que a Administração Trump humilhou o presidente ucraniano durante uma transmissão televisiva, obrigou a Alemanha a retomar o controlo do seu próprio destino militar e económico: Os Estados Unidos já não são nossos aliados! A Europa ficou abalada, mas era demasiado lenta e inflexível para agir. Alguns dias depois, chegou o "Liberation Day" e o mundo interrogou-se sobre o que estava a acontecer: quem ousa pôr fim à gloriosa globalização? Os novos direitos aduaneiros norte-americanos estão em vigor desde julho. Trump não voltou atrás1, simplesmente colocou em prática a sua "art of the deal" (arte da negociação), cujos segredos vendeu em mais de 1,1 milhões de cópias2. Foi ao surpreender os seus interlocutores com a ameaça de uma taxa de 60% que conseguiu que aceitassem, sem grande dificuldade ou resistência, uma taxa de 15%. A austera von der Leyen cedeu. A China percebeu que as suas exportações serão alvo de maior contestação, pelo que prometeu combater as pressões deflacionistas que está a impor ao mundo e a si própria através da sua sobreprodução industrial. No início do verão, o exército norte-americano bombardeou instalações nucleares do Irão sem provocar um conflito explosivo no Médio Oriente. À sombra destes acontecimentos turbulentos, a imigração dos Estados Unidos foi interrompida, o valor do petróleo e do dólar norte-americano caiu, ao mesmo tempo que as diminuições de impostos e a desregulamentação se avizinhavam. Trump está a cumprir as suas promessas eleitorais. Promessas feitas, promessas cumpridas, exceto aquelas 24 horas que eram supostamente suficientes para acabar com a guerra na Ucrânia. Putin enfrenta Trump e "conspira" com Xi e Modi. Há uma nova ordem geopolítica mundial a ganhar forma.
Trump não se fica pelas promessas. Ele demite altos funcionários que não estejam suficientemente empenhados na sua causa e adquire participações gratuitas em empresas beneficiárias de subvenções públicas ou de grandes contratos públicos. Depois da Intel, será o setor da defesa a próxima vítima da procura de novos recursos orçamentais, além dos direitos aduaneiros, para financiar as futuras diminuições de impostos? Contudo, a iniciativa mais iconoclasta e com maior potencial de impacto do Presidente norte-americano é o seu plano de assumir o controlo da Reserva Federal dos EUA (Fed) com vista a passar a regular a política monetária, como acontece em muitos países emergentes. Porquê esta tentativa de lesa-majestade contra uma instituição cuja independência é desejada por todos, exceto por Trump? Em grande medida, Trump foi eleito com base nas suas críticas à "inflação de Biden". Todavia, além da sua iniciativa de reduzir os preços do petróleo, cujos efeitos parecem agora ter ficado para trás, o que é que podemos constatar? A queda efetiva do dólar norte-americano pretendida por Trump é inflacionista; a instalação de grandes empresas industriais estrangeiras em solo norte-americano e a desglobalização são inflacionistas; a retoma do investimento alemão e a política chinesa de combate à deflação serão inflacionistas; a interrupção da imigração, o aumento dos direitos aduaneiros e as "nacionalizações" são estagflacionistas3; e, acima de tudo, a aquisição do controlo do Banco Central será inflacionista, pois é difícil imaginar que uma Fed sob a influência de Trump implemente uma política monetária restritiva que reduza o crescimento dos EUA. Como é que é possível dar sentido a este ativismo económico desenfreado do Presidente dos EUA, quando muitos observadores consideram que é completamente desprovido de significado?
A Pax Americana4, que proporcionou aos aliados dos Estados Unidos proteção militar e comercial em troca do financiamento dos défices gémeos norte-americanos decorrentes dessa "generosidade", já não funciona para a classe média. Embora o país tenha desfrutado de pleno emprego durante muito tempo, há já várias décadas que o poder de compra da classe média tem vindo a diminuir e a deterioração das condições de vida é uma realidade para milhões de eleitores de Trump: a ingloriosa globalização. O projeto de Trump parece assentar numa economia mais fechada sobre si mesma, acompanhada pela orquestração de um forte crescimento nominal, composto por níveis de crescimento real e inflação mais elevados. Esta alteração no regime económico poderá ter a vantagem de reduzir a taxa de endividamento, o que não foi possível alcançar no decurso de um longo período de crescimento lento e de taxas de juro muito baixas, pelo contrário. Se calhar é hora de recordar as palavras de Scott Bessent5: "A ênfase da política de Trump é a classe média ("Main Street"); Wall Street sabe muito bem cuidar de si mesma." Poder de compra em vez de aumentos vertiginosos nas bolsas de valores, como durante os Trinta Anos Gloriosos na França, quando a inflação não impediu a ascensão da classe média? Parece ser esse o objetivo. Veremos. A velocidade da queda do dólar e do aumento das taxas de juro das obrigações serão os indicadores do sucesso ou fracasso futuro desta política económica explosiva.
1Entre as ameaças de direitos aduaneiros de 60% no Liberation Day, em abril, e a sua implementação efetiva de 15%, muitos pensavam que Trump estava a abandonar o seu projeto de tributação.
2Fonte: CBS News, 2016.
3Cria simultaneamente inflação e abrandamento económico.
4A "Pax Americana" refere-se a um período de relativa estabilidade e hegemonia mundial assegurada pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, por analogia com a Pax Romana do Império Romano.
5O secretário de Estado do Tesouro dos Estados Unidos discursa na Cimeira de Washington da American Bankers Association, em Washington, D.C., em 9 de abril de 2025.
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